Ismael da MOTTA PAES - 1º Tenente Aviador
* 30/06/1920 (Belo Horizonte, MG) - † 21/02/1997 (Rio de Janeiro, RJ)

 

veteranos 45 santos

Família:

Filho de Antonio da Motta Paes e Herminia do Nascimento Paes. Tinha dois irmãos e quatro irmãs. Não casou-se. 

Antecedentes: 

Aspirante a Oficial da turma de 1942. Sentou praça em 01/04/1939 na Escola Militar do Realengo. 

Na guerra:

Exerceu a função de Piloto de Combate da Esquadrilha Amarela com o código B6. Realizou 24 missões de combate, a primeira em 11/11/1944 e a última em 23/12/1944. Durante a sua 24ª missão, em 23/12/1944, foi abatido pela antiaérea inimiga. Saltou de paraquedas, e foi feito prisioneiro de guerra. Foi o 1º Piloto do Grupo de Caça a ser aprisionado e o última a ser libertado, retornando a Pisa em 07/06/1945. Foi um dos vinte pilotos que partiram de Pisa em 18/06/1945 com destino aos EUA para trazerem em vôo os novos P-47D-40 para o Brasil.

Citações de Condecorações Recebidas

Air Medal
General Order 23 de 13/03/1945

"Por meritória ação heróica da qual participou como piloto de uma esquadrilha de aviões do tipo P-47 em 16 de dezembro de 1944. O Tenente Motta voava numa formação de caças-bombardeiros destinada a atacar uma vital linha de estrada de ferro em *****, Itália. Demonstrando superior habilidade de voo ele manobrou habilidosamente através de denso colchão de nuvens até as proximidades do objetivo. O Tenente Motta lançou suas bombas com acurada precisão, rompendo esse vital elo das linhas de comunicação do inimigo. Prosseguindo no ataque, o Tenente Motta atacou em voo rasante outros objetivos na área, danificando numerosos carros de carga. Sua perícia e tenacidade refletem grande crédito a si próprip e às Forças Armadas das Nações Aliadas."
(a) Thomas M. Lowe - Brigadier General, USA.
Air Medal - 1º Cluster
General Order 70 de 18/08/1945

"Por meritória ação heróica da qual participou como piloto de uma esquadrilha de aviões do tipo P-47 em 23 de dezembro de 1944. O Tenente Motta voava como ala em uma formação de oito aviões designados para bombardear as linhas de estrada de ferro no Passo de Brenner, Itália. Devido a habilidosa navegação, a formação foi dirigida diretamente sobre o alvo onde, em face de intenso e acurado fogo antiaereo de armas leves, um bem coordenado bombardeio foi executado no qual o Tenente obteve dois impactos muito próximos ao objetivo. De retorno à base, a esquadrilha atacou em voo rasante abastecimentos nas linhas ferreas e vizinhas. Era tão intenso o fogo antiaereo de armas de pequeno calibre e tão acurado que ocasionou pesados danos ao avião do Tenente Motta. Tentou regressar à sua base o Tenente Motta com seu avião, contudo foi forçado a abandoná-lo, o que o fez com sucesso. A coragem e a devoção ao dever demonstrados pelo Tenente Motta em face de grande perigo refletem grande crédito a si próprio e às Forças Armadas das Nações Aliadas."
(a) Thomas M. Lowe - Brigadier General, USA. 

No pós-guerra: 

Ao regressar ao Brasil permaneceu na FAB, tendo exercido várias funções incluindo a de Instrutor de Pilotagem na escola da Aeronáutica, Instrutor na escola de Comando e Estado Maior da Aeronáutica, Oficial de Gabinete do Ministro da Aeronáutica, Comandante do 1º Grupo de Aviação de Caça entre 10/03/1959 e 10/02/1961, Chefe do Estado Maior da 1ª Zona Aérea, Chefe do Estado Maior da 6ª Zona Aérea, Comandante do Comando Costeiro, Comandante do 2º Comando Aéreo Regional, Comandante do Comando Aerotático, Comandante do 3º Comando Aéreo Regional. Entre 06/03/1970 e 09/12/1971 comandou o Centro de Formação de Pilotos Militares em Natal. Em 1980 reformou-se como Major Brigadeiro do Ar. Pouco antes de se reformar, recebeu uma homenagem inédita: foi convidado a solar o F-103 (Mirage IIIEBR), tornando-se assim o único oficial-general brasileiro a pilotar um Mirage monoplace, ganhando o título de Jaguar 35.

Promoções:  

30/09/1942 Aspirante Aviador
10/05/1943 2º Tenente Aviador
27/11/1944 1º Tenente Aviador
31/05/1946 Capitão Aviador
02/10/1950 Major Aviador
20/01/1957 Tenente Coronel Aviador
22/04/1963 Coronel Aviador
27/11/1969 Brigadeiro

Condecorações: 

Ordem do Mérito Aeronáutico - Grande Oficial
med cruz aviacao a Cruz de Aviação Fita 'A'
Cruz de Aviação Fita 'B'
med campanha italia Medalha da Campanha da Itália
Medalha da Campanha do Atlântico Sul
Medalha do Mérito Santos Dumont
med pacificador Medalha do Pacificador
med merito tamandare Medalha Tamandaré
med marechal hermes Medalha Marechal Hermes
med puc Presidential Unit Citation (EUA)
med dfc usa Distinguished Flying Cross (EUA)
med air medal usa Air Medal (EUA)
med dfc uk Distinguished Flying Cross (Inglaterra)
med ordem militar avis oficial Ordem Militar de Avis - Oficial (Portugal)
med ordine al merito della repubblica italiana oficial Ufficiale Ord. al Merito della Repubblica Italiana

 

O Jambock Motta Paes

(Pelo Ten.Brig.Ref. João Soares Nunes, Piloto de Caça)

Tenente Aviador Ismael da Motta Paes. Ouvi falar dele, pela primeira vez, quando foi abatido pela Artilharia Antiaérea alemã em 1944.

Na minha turma da Escola de Aeronáutica estava seu irmão Antonio ensaiando os seus primeiros voos como Cadete do 1o ano. A consternação tomou conta de todos nós, solidários com o colega, o que me ligou mais ao fato. Foi quando sobreveio o primeiro sentimento de apreensão ou de medo, de orgulho, ou de vontade de ser igual a ele. Não sei. Dúvidas de adolescente.

Quando a guerra na Europa terminou, logo chegou a notícia do resgate do Tenente Motta Paes, libertado de um campo de prisioneiros de guerra.

Compartilhando da alegria do Cadete Antonio da Motta Paes Jr., a turma recebeu a notícia como um estímulo. No fundo, porém, a frustração pelo fim da guerra: nenhum de nós teria a chance de uma história de vida igual à do Tenente Motta Paes.

Em 1948, ao ser matriculado no Estágio de Seleção para Piloto de Caça (ESPC), vim a conhecê-lo pessoalmente. Ele era o Oficial de Operações do 2o Esquadrão, Unidade responsável pela seleção de novos Pilotos de Caça.

Em pouco tempo percebi que havia uma empatia entre nós dois; talvez pelo meu temperamento sisudo, parecido mas não tanto quanto o dele; talvez pela preferência pelos carros Mercury - ele possuía um - e eu imaginava logo poder comprar o meu; ou, talvez, porque nos cruzávamos nos fins de semana, quando eu transitava de passagem pelo Posto 5, em Copacabana, e o cumprimentava, onde o coupé Mercury cinza, estacionado em frente ao restaurante Alcazar, denunciava sua presença.

Homem de poucas palavras, as reações de Ismael normalmente se limitavam ao franzir das sobrancelhas, ou ao sorriso discreto, conforme um fato o aborrecesse ou alegrasse. Por mais engraçada que fosse a piada, ele apenas sorria; por mais preocupante que fosse o fato, continuava o mesmo. A fisionomia só expressava reação pela sua forma de olhar.

Quando o ESPC chegou à fase de Combate de Elementos (1), fui escalado para voar na sua ala, como número 2. No primeiro combate, quando o Motta Paes começou a apertar a curva, tratei de me posicionar de forma a não espirrar(2) de jeito nenhum; a melhor posição que encontrei foi colocando o meu T-6(3) atrás e debaixo dele, onde me mantive colado. Fomos encaudados (4), e perdemos o combate para a outra dupla.

Depois de reagrupar a esquadrilha, veio a advertência de Motta Paes pelo rádio, com o microfone encostado à boca, olhando para mim:

- Pacau 2 de Copas(5), se você continuar escondido atrás de meu avião, eu não vou poder apertar a curva. Preciso saber onde você está...

Ao comandar a separação dos elementos para novo combate, ele sinalizou com a mão até que eu me colocasse na posição certa. Fechou o punho esquerdo indicando que eu deveria manter aquela posição. E mais nada. Ganhamos os outros dois combates, porque ele apertava a curva muito forte, mas de forma coordenada e progressiva.

Era uma mão de seda(6) que me ajudava a não descolar da sua ala. Na crítica da missão, sua fisionomia impenetrável não demonstrou a impressão que teria tido do meu vôo, mas na calada da noite não resisti à tentação de recorrer ao Serviço de Informações dos Aspirantes Estagiários.

Pedi aos colegas "agentes" que descobrissem a nota sigilosa que o Motta Paes me dera naquele combate. A resposta não tardou: quatro e meio, ou seja, meio ponto abaixo de excelente.

Nesse conceito estava a tradução das palavras que economizara na crítica, e deixava transparecer a benevolência que escondia atrás da sua fisionomia austera.

Em artigo anterior relatei uma passagem ocorrida quando Motta Paes me escalou para ajudá-lo na instalação do balizamento noturno de emergência(7) na pista de Santa Cruz. Fomos num jipe sem capota para a cabeceira 04(8), transportando uma tralha de fios enrolados num enorme carretel.

Motta Paes dirigia, eu no banco do carona, e o fiel e prestativo Cabo Dalmário atrás, mais enrolado que aquela bobina de fios. A tarefa seria cumprida com o Capitão dirigindo o jipe devagarinho, eu girando a manivela do carretel, para estender a fiação à margem da pista, e o cabo Dalmário, a pé, seguindo o jipe e alinhando o balizamento na posição correta.

Não deu certo, por falta de sincronização entre a velocidade do jipe, o desenrolar do carretel e os tropeços do Dalmário. Motta Paes decidiu, então, trocar de posição comigo, para ele próprio desenrolar o fio e comandar o Dalmário. Acontece, porém, que eu não sabia dirigir; ninguém me perguntou e eu também não disse nada. Assumi a direção, engrenei a marcha e o jipe saiu aos solavancos; não sabia como fazê-lo andar devagar.

Motta Paes não se alterou, mas apenas falou calmamente:

- Se você for controlando a pressão do pé no pedal da embreagem vai conseguir andar devagar! E assim foi instalado o balizamento luminoso para que fizéssemos vôo noturno. E eu aprendi a dirigir...

Essa experiência, outros voos na sua ala e a convivência diária permitiram-me conhecê-lo melhor. A imagem do oficial frio, de poucas palavras e circunspecto, perdurava. Entretanto, num pernoite semanal obrigatório, estávamos no Rancho da Base, sentados ao longo de uma mesa comprida, a única onde estava sendo servido o jantar.

O taifeiro(9) que nos atendia - não chegávamos a mais de 10 oficiais - muito solícito, exagerava nos adjetivos:

-Taifeiro, tem mais sopa?, perguntava o Tenente Chaves de Miranda.
-Casualmente, hoje não temos, senhor!
-Taifeiro! Esse bife é de filé mignon?, indagava o Tenente Berthier.
-Casualmente, vou perguntar ao mestre cozinheiro!
-Taifeiro! Já saiu a sobremesa?, queria saber o Tenente Antonio Henrique.
-Casualmente, está saindo, meu chefe!
Motta Paes, que estava à mesa mas até aquele momento não dera uma só palavra, esticou-se para ser bem ouvido pelo taifeiro, e disparou:

-Ô Casualmente! Traz o cafezinho...

Enquanto Motta Paes apenas esboçava um sorriso, os participantes da mesa desabaram em estrondosas gargalhadas. O taifeiro congelou-se numa cara de espanto e incredulidade, certamente por vir de onde veio a piada certa, no momento certo: passou a ser conhecido na Base como o Casualmente. O Capitão Motta Paes também tinha senso de humor e não sabíamos.

A 24 de junho de 1948, uma quinta-feira, realizou-se uma das últimas missões do ESPC: viagem de ida e volta a Vitória. À tardinha, um aspirante estagiário regressou à Santa Cruz trazendo pendurados no seu T-6 pedaços de fios da iluminação pública daquela cidade, o que viria deixá-la às escuras.

O incidente e a indisciplina de vôo do colega geraram grande mal-estar naquele final de expediente e tumultuaram a sexta-feira dos aspirantes. O pior, porém, se saberia na segunda-feira: outra indisciplina de voo.

No sábado à noite, na boate do Clube de Aeronáutica que funcionava no Edifício Serrador, um major aviador da Presidência da República comentou que um T-6, as seis da matina da última quinta-feira, passara na altura da janela do seu apartamento no Posto 6. Pela hora só poderia ser de Santa Cruz; pelo dia só podia ter sido um aspirante rumo a Vitória.

Na chamada das 9 horas da segunda-feira, Motta Paes, com a fisionomia mais fechada do que nunca, abriu aquela reunião de rotina com a pergunta fatal, dirigida solenemente aos aspirantes:

- Quem dos senhores tirou um rasante em Copacabana na quinta-feira?

Sentado numa fileira ao fundo da Sala de Briefing, levantei o braço, fiquei de pé, e me acusei: Fui eu, Capitão...

A fisionomia dele transformou-se de forma surpreendente. Ao invés de tornar-se colérico ou explosivo, denotou susto, decepção, tristeza, sei lá o quê. Tudo menos zanga. Guardo até hoje o seu semblante naquele momento. Nunca tive a coragem de lhe perguntar, mas fiquei certo de que nem de longe passara pela sua cabeça que o segundo Aspirante indisciplinado seria eu. Peguei 15 dias de prisão. O outro foi desligado do estágio.

Vim a ser novamente subordinado do Ismael, 20 anos depois, na Seção de Política, Estratégia e Doutrina do Estado-Maior, em Brasília. Ele "full" Coronel(10) e eu Tenente-Coronel.

Trabalhávamos na aplicação da reforma Administrativa de 1967 ao Ministério da Aeronáutica sob a sua orientação, eu e o Tenente-Coronel Tabyra, em busca de uma redação para as Políticas de Pessoal, de Material, e a grande novidade, que seria a implantação dos Sistemas através de uma Política adequada.

Motta Paes ensinou-nos como estruturar o texto de uma Política, coisa que pouca gente na FAB teve a oportunidade de encontrar quem ensinasse. É uma constatação pessoal.

Em 1988 escrevi um artigo para a Revista da Universidade da Força Aérea (UNIFA) sobre a Política dos Sistemas. Remeti um exemplar para o Motta Paes, já na Reserva, cujo recebimento ele acusou com palavras de agradecimento.

Meu gesto trouxe-lhe alegria e boas lembranças. Depois disso, quando o encontrei, fui saudado com um abraço e, coisa rara, um largo sorriso.

Pouco antes de passar para a Reserva, Motta Paes foi alvo de uma homenagem inédita, que para muitos passou despercebida. Para uns poucos causou inveja.

Já Major-Brigadeiro-do-Ar, foi convidado, e aceitou, o desafio de solar o Mirage, tornando-se o único Oficial-General brasileiro que pilotou um Mirage monoplace, ostentando o peso das três estrelas na gola do seu macacão de voo.

Por isso, fez jus ao código pessoal "ad eternum", ele é o Jaguar 35(11), e poucos sabem disso.

Ora, ele não contou a ninguém...

Hoje sinto muito não ter podido lhe dar o meu último abraço; só ter sabido do seu falecimento uma semana depois.

Resta-me, porém, agradecer ao alemão amigo, cuja sopa rala, com minguadas torradas de pão dormido, permitiu que Motta Paes sobrevivesse às agruras do Campo de Concentração de Prisioneiros de Guerra "Stalagluft no 1 na Prússia Oriental, durante quase cinco meses, e permitiu, também, que eu viesse a participar dos fatos que relatei.

A 4ª estrela ( posto de Tenente Brigadeiro), que ele não recebeu aqui na Terra, certamente foi-lhe outorgada lá em cima...

NOTAS DO GERENTE DO SÍTIO:

(1)"elemento" = menor conjunto de aviões de caça, formado por duas aeronaves, uma "líder" e uma "ala". No combate de elemento estes dois aviões atacam outros dois.
(2)"Espirrar" = aumentar muito o raio da curva ou se afastar, sem querer, do avião "líder".
(3) "T-6" = ou "Tê-meia" é o nome pelo qual a Força Aérea Brasileira carinhosamente se referia ao famoso avião monomotor de treinamento avançado modelo AT-6 (advanced trainer) fabricado pela empresa North American.
(4) "encaudado"= O combate aéreo, de treinamento, é considerado acabado, quando um dos combatentes entra em posição de tiro atrás do outro, ou seja, na direção da "cauda" do "vencido".
(5) "Pacau 2 de Copas" = Código de chamada pelo rádio do segundo componente da esquadrilha de Copas do Esquadrão Pacau...
(6) "mão de seda" = diz-se do bom piloto, aquele que manobra seu avião com suavidade e perícia.
(7) "balizamento noturno" = iluminação lateral da pista para orientar os pilotos durante as decolagens e pousos noturnos.
(8) "cabaceira 04" = início da pista 04.
(9) "Taifeiro" = militar da aeronáutica encarregado, normalmente, de serviços de restaurante (cozinheiro, garçon, limpesa etc). Este termo é originário da Marinha do Brasil.
(10) "full" Coronel = vem do inglês "coronel cheio". Normalmente exite confusão com referência ao Tenente Coronel e ao Coronel. Ambos são comumente chamados de "coronéis". Sendo assim, quando queremos nos referir ao de maior hierarquia dizemos "full" coronel.
(11) "Jaguar 35" = O Primeiro Grupo de Defesa Aérea utiliza o código rádio "Jaguar" para seus pilotos. O número 35 significa que o piloto foi o 35o oficial a voar "solo" a aeronave Mirage III da Força Aérea Brasileira.