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NÃO PRECISAMOS DE UMA NOVA AERONAVE PARA SUBSTITUIR NOSSOS VELHOS CAÇAS

(Prêmio Pacau Magalhães-Motta, ano de 2008, 1º lugar)

  

 

NOTA: 
O conteúdo deste documento reflete a opinião do autor, quando não citada a fonte da matéria, não representando necessariamente, a política ou prática da Associação Brasileira de Pilotos de Caça ou do Comando da Aeronáutica.

 

O título deste artigo pode, para alguns, parecer despropositado. É bem verdade que ele guarda um pouco da irreverência dos tempos de tenente, mas creio que isso é até salutar. Outros poderão julgar que se trata de alguma insanidade; ao passo que os mais radicais poderiam até acreditar que é obra de alguém que foi cooptado por algum adversário para convencer um caçador do impossível: de que ele não precisa de uma nova aeronave.

Entretanto, espero que o prezado leitor possa, ao final, concordar que a assertiva está correta, e que precisamos mudar, ao menos ligeiramente, a nossa mentalidade.

Há alguns poucos dias, mais precisamente em 17 de dezembro de 2008, o Governo Federal finalmente editou a tão esperada Estratégia Nacional de Defesa (END). Como o próprio documento faz questão de ressaltar, é uma iniciativa inédita no âmbito do Estado Brasileiro(1) - algo certamente muito bem-vindo, pois se trata de um documento básico para a definição do que se espera da Expressão Militar do Poder Nacional.

Quem sabe estejamos realmente vivendo um ponto de inflexão na história de nossa sociedade, de forma que a nação passe finalmente a reconhecer que a Defesa é imprescindível para resguardar nossos interesses. Afinal, as Forças Armadas nada mais são do que nossa apólice de seguro. Por analogia, precisamos decidir se queremos uma apólice com cobertura total ou algo “mais em conta”, que cubra apenas “colisões provocadas por terceiros”, por exemplo.

Ainda que a edição da Estratégia Nacional seja um marco em nossa história, pode-se afirmar que, no que diz respeito à formulação da política e da estratégia de Defesa, é compreensível que a documentação e a metodologia atualmente em uso não sejam perfeitas.

Lembremo-nos, pois, que nosso Ministério da Defesa foi criado há apenas alguns poucos anos. A própria Estratégia Nacional é um tanto quanto confusa, pois mistura capacidades a serem desenvolvidas com equipamentos a serem adquiridos, bem como faz uma abordagem que é primordialmente estratégica, mas que por vezes desce ao nível operacional e até mesmo ao tático.

A despeito desses detalhes, a edição da END é fundamental para que, dentre outros aspectos, a Defesa do Brasil receba uma orientação clara e precisa. Esse ponto é vital para os desdobramentos subseqüentes, pois permite que tenhamos um farol a guiar todas as demais ações das Forças Singulares. É costumeiro entre nós, militares, fazer e ouvir críticas de que a sociedade precisa se envolver mais nos assuntos de Defesa. Essa afirmação é absolutamente correta, mas também é verdade que nós mesmos, os maiores responsáveis pela defesa da pátria, precisamos evoluir muito antes de cobrar ações do governo como um todo ou do próprio povo brasileiro.

Basta ver que ainda falta muito para termos um pensamento de Defesa unificado, que se sobreponha às idéias individuais de cada uma das Forças. A verdade é que a nação necessita de avaliações que determinem como as Forças Armadas Brasileiras precisam operar, conjuntamente, no médio e longo prazos, baseando-se em mudanças na Política de Defesa e nas ameaças que surgem nos campos tecnológico, estratégico e de segurança. É necessária, para isso, uma combinação de análises respaldadas em conhecimentos e em inovações que desafiem a sabedoria convencional e a clássica forma de pensar. Essa definição de como a Expressão Militar deve ser constituída tem que seguir algumas etapas básicas:

  1. determinar quais são os interesses nacionais;
  2. identificar quais são as tendências futuras: como o mundo vai se comportar no futuro e quais as implicações para a segurança nacional;
  3. analisar o contexto estratégico: quais as áreas de risco significativo e as ameaças que provocarão os maiores impactos nas necessidades de Defesa (são basicamente as nossas Hipóteses de Emprego - HE);
  4. determinar quais capacidades as Forças deverão possuir: que atividades o braço armado deve ser capaz de realizar para responder aos riscos e ameaças;
  5. decidir que equipamentos e forças são necessários: que material (humano ou não) é necessário para se adquirir as capacidades visualizadas – ou seja, qual é a melhor forma de executar a política de defesa;
  6. alocar recursos: estabelecer um orçamento adequado às necessidades apontadas; e
  7. promover análises e reajustar como necessário.

Esses passos parecem básicos e até mesmo óbvios, mas alguns deslizes são freqüentemente observados: muitas vezes saltamos etapas; dizemos que precisamos deste ou daquele equipamento sem pensar por que e para que ele é necessário. Isto se dá por uma razão bastante clara: não é nada fácil transformar políticas em capacidades. Muito mais simples é manter o pensamento cartesiano de se substituir algo velho por sua versão mais nova. De maneira sucinta, entende-se “capacidade” como a competência para alcançar objetivos. Capacidade militar seria, portanto, a aptidão para juntar o poder marítimo, o poder terrestre e o poder aeroespacial, de forma coerente, sob comando único, em uma força perfeitamente capaz de alcançar os objetivos previamente traçados.

Uma capacidade tem que ser redigida com uma linguagem flexível, sem alvos ou ameaças específicas. A capacidade não determina que equipamento deve ser provido, mas sim o que se deseja fazer. É, portanto, algo baseado em uma atividade. Posteriormente, ela se traduz no equipamento correto, na doutrina correta, nas pessoas corretas e na base tecnológica e industrial de defesa correta para alcançar os efeitos estratégicos desejados.

No caso específico do material de emprego militar, precisamos nos desprender de idéias ultrapassadas para sermos capazes de quebrar paradigmas, pois somente assim é que poderemos verdadeiramente determinar, no âmbito da Defesa como um todo, qual equipamento é o mais adequado à capacidade que se pretende obter. Em tese, desenvolver capacidades é algo simples, pois basta criar as forças apropriadas para dissuadir ou derrotar adversários. No mundo real, porém, esse processo não evolui dessa forma. Não há uma receita para o sucesso, uma solução óbvia para a dificuldade de se construir as capacidades apropriadas. Vários questionamentos surgem dessa análise:

  • Quais são as ameaças?
  • Quem é o inimigo?
  • Quais são as capacidades desse inimigo?
  • Quais são sua estratégia e seu modo de operar?
  • Quanto tempo levará para adquirirmos a capacidade desejada?
  • Como evitar o problema da obsolescência?
  • Quanto vai custar essa capacidade?
  • Qual o melhor custo-benefício para se obter essa capacidade?

 Esses são apenas alguns aspectos a se considerar quando se pretende determinar e construir capacidades. Delas derivaremos as tarefas que caberão a cada uma das forças singulares e, dentre as diferentes tarefas atribuídas, é preciso determinar o que se quer em cada uma delas (que efeito se deseja atingir). Não é preciso um esforço muito grande para perceber que o espectro de atuação de uma Força Armada tem sido ampliado substancialmente.

Esse continuum de tarefas vai desde o apoio a missões humanitárias até a preparação para guerras convencionais, passando pelo emprego militar em operações nacionais de garantia da lei e da ordem. Para tanto, o poder militar pode ser requisitado a coagir, dissuadir, deter, proteger, atacar, neutralizar ou destruir, ações bastante diferentes e que requerem atitudes também diversas.

Isso demanda um estudo mais aprofundado das Hipóteses de Emprego, pois ainda terão que surgir muitas outras definições antes de se determinar qual equipamento é o mais adequado para, por exemplo, as missões humanitárias e para os conflitos armados nos quais o país pode vir a se envolver. Sabe-se que, em qualquer nação do mundo (mesmo nas mais ricas), os recursos de defesa sempre serão finitos. Não por outro motivo é que são desenvolvidos os equipamentos e tropas que possuem mais de uma função – exatamente como no caso dos caças multitarefa, por exemplo. Por isso, antes de se traduzir em equipamentos, as capacidades derivadas das Hipóteses de Emprego ainda terão que considerar:

 

  • qual cenário é o mais exigente;
  • qual a prioridade entre as HE;
  • qual a escala de esforço de cada uma das HE; e
  • que HE devem ser atendidas concomitantemente.

As respostas a essas perguntas auxiliarão a determinar quais e quantos equipamentos serão necessários para atender às capacidades desejadas. No caso específico da Força Aérea, a definição das possíveis atividades e necessidades da Força deve passar pelos efeitos estratégicos que se deseja alcançar, pelas tarefas militares que o componente aéreo deverá cumprir, e pelos cenários plausíveis onde a Força poderá ser empregada (como vimos anteriormente, as Hipóteses de Emprego).

Assim, por exemplo, “impedir + invasão do espaço aéreo + caças inimigos” não significa que a solução imediata é “comprar mais caças” (muito embora seja plausível que, ao final, cheguemos a essa conclusão).

A capacidade a adquirir poderia ser brevemente relatada como “as Forças Armadas Brasileiras devem ser capazes de impedir ataques aéreos em média escala, potencialmente feitos por aeronaves inimigas de alta performance, armadas com mísseis BVR, na região amazônica, a fim de impedir a tomada de área territorial brasileira rica em petróleo. As ações contra as forças atacantes devem receber apoio logístico capaz de sustentar o combate por um período de até três meses.”

Esse exemplo fictício de conceituação provê orientações em três dimensões: escala de esforço, tempo e dificuldade de execução (esta última tanto em termos geográficos quanto em intensidade).

Dessa forma, fica, então, definido o problema, sem que seja diretamente apontada a solução. Posteriormente, os especialistas dirão se essa capacidade será preenchida, por exemplo, com a compra de centenas de peças de artilharia de baixa, média e grande altitude; se com satélites ultramodernos, que fazem a defesa aérea empregando armas de energia eletromagnética direta; ou da forma tradicional, com caças operados pela Força Aérea.

Ainda que seja essa a solução apontada, o importante é que ela surja de uma análise que vise ao cumprimento de uma necessidade (atender a uma capacidade), não apenas para substituir os caças que eventualmente não sejam mais capazes de cumprir suas tarefas.

Há alguns anos, o jornalista e escritor britânico Max Hastings publicou um artigo no qual criticava ferozmente a compra dos Eurofighter Typhoon por parte da RAF: “não são mais importantes para a defesa européia do que as carruagens de Boadicéia, e custarão muito mais!”

(2)Apesar de reconhecer em Hastings um brilhante historiador militar, não chego a concordar com sua assertiva, visto que não se pode considerar que não mais será preciso lutar pela conquista da superioridade aérea. Por esse motivo, creio que os caças ainda serão relevantes no futuro próximo, pois necessitaremos de plataformas que nos dêem a capacidade de, como bem disse Douhet, estabelecer o controle do ar(3).

No entanto, não precisamos desses novos caças porque aqueles que possuímos ficaram antigos. Se persistirmos nessa linha de raciocínio, vamos adquirir um novo caça porque os F-5 não servem mais, da mesma forma que vamos continuar comprando aeronaves novas porque o Avro, o Bandeirante ou o H-1H ficaram obsoletos(4), sem analisar por que e para que precisamos substituí-los.

Fundamental mesmo é estabelecer uma estratégia que se proponha a determinar que capacidades (e não que equipamentos) necessitamos ter, pois definir capacidades é muito mais importante do que definir equipamentos.

Por esse motivo é que sustento que não precisamos de uma nova aeronave para substituir nossos velhos caças. Essa assertiva é, no mínimo, um paralogismo. Podemos até chegar à conclusão de que o substituto do F-2000 e do F-5M será um novo caça, mas não se pode justificar que isso ocorrerá porque nossos vetores ficaram ultrapassados.

Novas máquinas devem servir para atender às capacidades que se deseja construir, e não apenas para substituir equipamentos obsoletos.

  

Tenente Coronel Aviador Ênio Beal Júnior

  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1) Brasil, Ministério da Defesa. Estratégia Nacional de Defesa. Brasília, DF, 2008. Disponível em: https://www.defesa.gov.br/ eventos_temporarios/2008/estrategia_defesa_nacional.pdf
(2) Max Hastings. Routed by the Eurofighter: the pride of Britain’s army. Disponível em http://www.guardian.co.uk/politics/2004/jun/29/ military.economy.
(3) Giulio Douhet. O Domínio do Ar (Tradução Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais da Aeronáutica. Belo Horizonte: Itatiaia; Rio de Janeiro: INCAER, 1988)

Essas referências foram feitas tão somente para ilustrar o caso, tendo em vista que são aeronaves que já foram (no caso do Avro) ou brevemente serão substituídas. 


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